sábado, novembro 26, 2005

Os pensamentos, revolvem-se na mente, revoltosos como láminas afiadas de uma espada inimiga. Os passos caminhados, são movimentos arrastados de um corpo sem vida. Nada mais resta, do que esperar a única certeza reservada pelo destino, aos faunos cuja magia existencial, começa a dissipar. O sol se levanta, no horizonte da civilização, trazendo com ele alegrias de vida e luz. Ocultando no movimento perseguidor dos girassois, a tristeza da morte e das sombras.

(Incompleto)

A espera

Sentei-me moribundo ao luar quase inexistente olhando da varanda as luzes dos candeeiros iluminando a cidade deserta ao meu olhar virei-me para agarrar o néctar que me embriagava e turvava a vista e o pensar no desenlace do movimento vi o meu corpo débil reflectido na vidraça da porta bebi de um trago todo o álcool que restava na garrafa levantei-me e pus música a tocar não voltei para a varanda mas tinha ainda presente a sucessão de imagens e acontecimentos no exterior a mulher atropelada pelo condutor embriagado que fugiu com medo da multa ou talvez sem plena consciência dos seus actos o “junkie” ressacado a chutar na viela mais iluminada os putos “dreads” a fumar um charro do pior chocolate suíço o “dealer” feliz com o negócio a rir-se do berro aos putos e ao “junkie” antes de ser esfaqueado até ao nojo da desfiguração por outro comprador enganado menos pacífico eu reflectido nas sombras da podridão da cidade e do desenvolvimento a mulher no apartamento em frente a assassinar o marido após o encontrar a violar a filha menor de idade enquanto obrigava a mais velha a assistir presa numa cadeira ao lado da cama o carro que falhou o stop e provocou grande embaraço ao motard que seguia de luzes apagadas talvez perseguindo alguém a minha alma procurando restos de comida restos de comida nos caixotes do lixo antes que os serviços de limpeza lhe removam a esperança de uma refeição sentei-me comodamente sorri e esperei que a morte chegasse breve.

O sol nasceu e eu estava ainda vivo completamente embriagado e a cair de sono resolvi deitar-me mas não adormeci queria esperar a morte acordado embora a embriaguez o dificulta-se horas mais tarde a morte telefonou-me não podia vir buscar-me pois ficara presa no trânsito e eu perdera o meu tempo de morrer então adormeci.

Quando acordei estava sozinho não estranhei pois já o estava quando adormeci doía-me imenso a cabeça e havia um cheiro intenso a fumo o barulho das sirenes provocava-me enxaquecas fortíssimas e fui banhar-me para acordar e resfriar a cabeça adormeci durante o banho e acordei com frio e fome horas depois havia muito fumo e o ar era rarefeito mas já não se ouviam sirenes nem a cabeça me doía comi escrevi um poema ouvi música e telefonei à minha alma para que esta voltasse para casa inquietava-me o desconhecimento do seu paradeiro.


(Escrevi este poema, durante a minha estadia em França, em Agosto deste ano)

quinta-feira, novembro 24, 2005

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Na noite que se avizinha, um mar de gatos com cio invade os sotãos, ensanguentando as memórias com a dor pungente dos dias em que o gume, o terrível gume das horas afiadas, rasgava os espíritos. Já o clarão das ruas toldava os cérebros com angústias venenosas e vertigens de suicídios sonhadores, na vontade de fugir ao inóspito vazio do tempo da ausência... (Mão Morta - Gumes)